Faxina na política
A chamada Lei Ficha Limpa é o começo do processo de assepsia da atividade pública no Brasil. O ideal seria que o Congresso Nacional tivesse feito a reforma política. Como não houve interesse do governo federal, a matéria não teve andamento legislativo. Falha compensada pela iniciativa popular, que revigorou o tema e permitiu que fizéssemos uma norma que vai afastar das eleições os bandidos e dar lugar à pessoa de bem.
É preciso que se diga que o crime organizado infecciona amplos setores do Estado brasileiro. Em todos os Poderes há influência corruptora do delito, seja na fraude do processo licitatório, na aquisição de decisões judiciais ou na formação de bancadas dos fora-da-lei nas diversas instâncias do Legislativo. Naturalmente que a contaminação é mais visível no ambiente parlamentar por ser um segmento exposto à opinião pública e ao trabalho da imprensa.
Outra determinante é o fato de os criminosos buscarem abrigo no privilégio de foro conferido pelo mandato eletivo como meio de formalizar a impunidade, o que também deve acabar com as novas ferramentas que foram dadas ao Judiciário para acelerar o processo, como a convocação de juízes para instruí-lo e não somente o ministro-relator.
O crime organizado desde a década de 1980 ganhou pujança econômica por conta da ampliação do mercado de entorpecentes. Os bandidos perceberam que para proteger o lucrativo negócio precisavam exercer influência política. Mais e mais criminosos decidiram investir no mandato eletivo ou financiar prepostos. Hoje temos com assento no Parlamento representantes do tráfico de drogas, do contrabando, do crime ambiental e principalmente do sofisticado delito do colarinho branco, embora não se possa fazer uma generalização.
Já as campanhas eleitorais no Brasil são oportunidade formidável à operação em larga escala da lavagem de dinheiro por intermédio do caixa dois. A Lei Ficha Limpa fulmina totalmente essas condutas e presta expressivo serviço à moralidade pública ao excluir do processo quem vier a ser condenado por crimes graves em instância colegiada. A norma alcança também aqueles que já tenham sido condenados anteriormente à vigência dessa lei e que tenham recorrido para instância superior, conforme determinação expressa (sic) no artigo 3º do projeto aprovado.
No mesmo sentido, o diploma legal estende o prazo de inelegibilidade do condenado para oito anos após o término do mandato, também com o fim de inviabilizar o retorno à vida pública de quem se dedica ao crime e à improbidade. Tem havido um esperneio injustificado de alguns deputados federais sobre um certo “golpe semântico” no texto aprovado. O que fizemos no Senado foi uma emenda de redação para compatibilizar todas as alíneas do projeto que em quatro casos apareciam com a expressão “os que forem condenados”; em outros quatros casos com a expressão “os que tenham sido condenados” e em um último caso somente com a palavra “condenados”.
Para que a nova lei não saísse do Congresso Nacional com um texto esquizofrênico foi preciso optar por apenas uma das expressões. E por que se escolheu a expressão “os que forem condenados” e não “os que tenham sido condenados”? Primeiro porque a Lei Complementar no 64/90 já consagra essa expressão. Segundo, e mais importante, porque o mencionado parágrafo 3º diz textualmente que os recursos em tramitação devem ser apanhados pela nova lei. Todos sabem que quem recorre é o condenado e não o absolvido. A única hipótese em que a discussão se aprofundará é se nos casos já julgados definitivamente (sic) com condenação cumprida no passado, aplica-se a presente lei.
Explico, a Constituição Brasileira, como na esmagadora maioria dos países civilizados, prevê que a nova lei não poderá afetar a coisa julgada, ou seja, aqueles processos que não caibam mais recursos e por isso terminaram. Acontece que o Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua história, ora tem interpretado que no caso de inelegibilidade por não se tratar de pena e sim de critério, a nova lei pode apanhar inclusive os casos julgados definitivamente no passado. Por outro lado entende que a coisa julgada, qualquer que seja a situação, não poderá ser atingida. O Supremo com sua nova composição sedimentará definitivamente qual o caminho a seguir.
A Lei Ficha Limpa é o começo do cerco que devemos fazer para desinfeccionar o País. Ótimo que seja pela política. Comemoremos!
Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)
Fonte: Jornal O Popular
Fonte: Jornal O Popular
MINHAS REFLEXÕES:
Preliminarmente, ressalto que sou admiradora do autor deste artigo, Senador Demóstenes Torres, exemplar jurista que tem desempenhado um trabalho importante no Senado, na presidência da Comissão de Constituição e Justiça, bem como assumido relatório da maioria dos projetos polêmicos, em razão da sua tecnicidade jurídica e brilhantismo na apresentação e defesa destes!
No que diz respeito ao projeto e lei “ficha limpa”, bem como ao artigo acima, cumpre-me, “data maxima venia”, discordar do relator, quando afirma que o tempo do verbo não altera a aplicação na norma.
Entendo que a expressão “os que tenham sido condenados” traz uma leitura de anterioridade; é o tempo composto do conjuntivo, onde temos a informação aspectual de evento concluído, porém, não terminado. Estamos tratando do “Ponto de Perspectiva Temporal”; é o gerundio composto (pretérito) formado pelo verbo "Ter" (ou haver) com o particípio do verbo principal; Perfeitamente, possível sob a ótica da semântica;
No entanto, a expressão “os que forem condenados” traz uma leitura do futuro, o que pode ensejar a interpretação de que a lei será aplicada somente aos que forem condenados após a sua entrada em vigor; e, aqui, está a polêmica, já que alguns entendem que pode ter havido um “golpe lingüístico” para beneficiar os candidatos que já respondem a algum processo, ainda que em esfera recursal.
Em que pese o Senador Demóstenes Torres esclarecer o conteúdo do parágrafo 3º da lei em análise: “os recursos em tramitação devem ser apanhados pela nova lei”; e, disposição constitucional constante no artigo 5º, XL “a lei penal não retroagirá, salvo quando para beneficiar o réu”; e, ainda, que entendimento do STF vê a punição como critério e não como pena, logo, “a nova lei pode apanhar os casos julgados definitivamente no passado”, não se pode negar que a alteração proposta pela Emenda do Senador Dornelles faz toda a diferença, se o texto for interpretado a luz da língua portuguesa, no aspecto temporal.
Neste prisma, nos surge uma pergunta que não quer calar: Será que foram os deputados que não viram o suposto erro (que não o é) ou os senadores viram demais e alteraram, de forma sutil, o texto vindo da Câmara para fins de acelerar o processo de votação no Senado?
Sinceramente, não posso julgar o que não acompanhei de perto, mas posso compartilhar com meus leitores, seguidores, amigos, a minha reflexão:
Independente de qual tenha sido (outro gerundio composto – leitura de anterioridade) a intenção dos Deputados ou dos Senadores, escolho comemorar a aprovação da lei “ficha limpa”, como um grande avanço contra a corrupção e aplicação do importante Principio da Moralidade Pública, sendo certo que, mesmo vislumbrando a hipótese de não poucos corruptos serem beneficiados, neste primeiro momento, um dia o seu fim chegará, e não tardará!
De que adianta entrar neste clima de discussões entre os membros do Congresso, nas quais prevalece o orgulho, a soberba, o interesse pessoal/partidário/...?;
O que busco quando fico arguindo possível erro de interpretação lingüística/semântica? Tantos erros, outrora, foram encontrados e não conseguiram tanta atenção?! Será porque estamos em ano de eleição? Mas, foi uma iniciativa popular que provocou toda esta discussão – será que estariam tentando se aproveitar da histórica manifestação do povo na aprovação de um projeto de sua iniciativa?
Sei lá! Quanta bobagem! Certo é que, mais cedo ou mais tarde, o candidato de má fé será barrado, seja pelo efeito da lei, por seu partido político ou pelo efetivo detentor do Poder: o povo!
Se posso dar um conselho, digo que nossa preocupação deve estar em aguardar a sanção do presidente Lula; e, se necessário, pressioná-lo! Depois, atentarmos àqueles alcançados ou não pela lei, afinal, somos nós, os cidadãos/eleitores quem os autoriza à nossa representação!
No mais, vamos dormir em paz, afinal já dizia Norberto Bobbio: “Tudo é política, mas a política não é tudo”!
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