“Ao celebrarmos o Dia Internacional dos Povos lndígenas este ano, muitos dos cerca de 370 milhões de indígenas em todo o mundo perderam, ou estão sob ameaça iminente de perder, suas terras ancestrais, territórios e recursos naturais devido à exploração desigual e injusta em nome do ‘desenvolvimento’. Neste dia, vamos nos fazer uma questão crucial: quem realmente se beneficia deste chamado desenvolvimento, e a que custo este desenvolvimento se dá?
Quando comunidades indígenas são alienadas de suas terras por causa do desenvolvimento e dos projetos de extração de recursos naturais, elas são frequentemente deixadas em uma existência às margens da sociedade. Isto certamente não é um sinal de desenvolvimento. Muitos destes projetos resultam em violações dos direitos humanos envolvendo despejos forçados, deslocamento e até mesmo perda de vidas, quando a agitação social e o conflito por recursos naturais entram em erupção. Isto certamente não é o que entendemos por desenvolvimento. Projetos de extração de recursos naturais como a mineração fazem uso intensivo do solo e da água e muitas vezes afetam diretamente os direitos coletivos dos povos indígenas em relação a suas terras e territórios.
Com muita frequência vemos conflitos entre as corporações, povos indígenas e o Estado por causa de projetos de desenvolvimento que são iniciados sem a consulta ou o consentimento das pessoas que são despojadas das próprias terras.
Na Malásia, por exemplo, projetos de barragens hidrelétricas em Sarawak e Sabah têm causado grande preocupação para os povos indígenas, que estão sendo deslocados ou despejados de suas terras. O povo Penan tem recebido ameaças e existem relatos de perseguição aos Penan por trabalhadores de madeireiras. Várias queixas e reclamações foram feitas à Suhakam, a comissão de direitos humanos da Malásia, para dar início a um inquérito nacional sobre o direito dos povos indígenas à terra.
Na Índia, a inquietação social e os conflitos devido à aquisição de terra para projetos de desenvolvimento e mineração aumentaram nos últimos anos. Adivasis defendendo suas terras ancestrais e florestas comunitárias são muitas vezes submetidos a ameaças e perseguições, apesar da existência de proteções constitucionais, julgamentos da Suprema Corte e legislações nacionais progressivas que exigem o consentimento das comunidades tribais, e direitos das comunidades sobre o uso das florestas. Em um desenvolvimento positivo em 2010, o Ministério do Meio Ambiente e das Florestas da índia impediu o governo Orissa e a Vedanta, uma companhia de mineração multinacional sediada no Reino Unido, de realizar suas atividades de mineração no topo do morro Niyamgiri, no distrito de Kalahandi, uma vez que tal operação afetaria gravemente o ecossistema da área e a situação do povo Dongria Kondh Adivasi nas montanhas.
Ameaças a ativistas ambientalistas, que trabalham para proteger a floresta Amazônica no Brasil, têm sido feitas por muito tempo. Recentemente, José Claudio Ribeiro da Silva e sua mulher, Maria do Espírito Santo, ambos ativistas e defensores dos direitos dos povos indígenas, foram mortos no estado brasileiro do Pará. Meu Escritório continua a monitorar diretamente o impacto das indústrias de extração e os projetos de desenvolvimento em uma série de outros países, incluindo Bolívia, Camboja, Guatemala e México.
Em muitos casos, atividades de extração em territórios indígenas são feitas por empresas multinacionais sediadas em países desenvolvidos. Além disso, indústrias de extração estão frequentemente presentes em áreas habitadas por povos indígenas nestas nações. Por exemplo, o desenvolvimento intenso do gás e do petróleo continua no norte de Alberta, no Canadá, em áreas onde reivindicações de longa data feitas pela nação Lago Lubicon permanecem sem solução. Nos países nórdicos, o povo Sami está preocupado com o impacto da mineração, extração de florestas e outros recursos naturais para a criação de renas.
Muitos Estados mantêm leis contraditórias ou obsoletas sobre mineração e aquisição de terra para o desenvolvimento. Estas leis devem ser reavaliadas para determinar se são consistentes com os princípios e padrões dos direitos humanos internacionais. Tais revisões devem ser conduzidas em consulta com povos indígenas e em boa fé.
De fato, consultas apropriadas devem ser conduzidas com povos indígenas em todas as etapas do ciclo de desenvolvimento e extração de recursos naturais. Eles têm o direito à ampla divulgação das avaliações dos impactos ambientais, sociais e de direitos humanos no idioma de sua escolha. Estados devem fornecer também apoio financeiro e técnico para permitir que os povos indígenas realizem consultas com as corporações. Quando povos indígenas consentem tais projetos, eles devem ter o direito ao compartilhamento justo dos benefícios das atividades em suas terras. E onde os projetos continuarem sem o consentimento, serão necessários mecanismos de reparação. Instituições nacionais e internacionais que financiam tais projetos devem assegurar que suas políticas operacionais e orientações estejam de acordo com os padrões e princípios dos direitos humanos internacionais.
Por sua parte, empresas de extração são responsáveis por respeitar os direitos humanos. Isto foi afirmado em junho de 2011 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao adotar os Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos. A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas faz referências explícitas ao consentimento livre, prioritário e informado. Ela é muito clara quanto a este requisito para o ‘desenvolvimento, utilização ou exploração de recursos minerais, hídricos entre outros’. Isto é reforçado ainda por tratados internacionais, como a Convenção da OIT n° 169, e na jurisprudência de órgãos que tratam dos direitos humanos, em particular do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial.
O direito ao desenvolvimento é um direito humano para todos, e os povos indígenas têm o direito de definir e determinar seu próprio desenvolvimento. Neste Dia Internacional dos Povos lndígenas, vamos assegurar que o desenvolvimento para alguns não seja feito em detrimento dos direitos humanos de outros. Vamos trabalhar juntos para garantir o verdadeiro desenvolvimento para todos”.